um viciado no perigoso opióide...
Texto: Flávio Passos

No entanto, milhões de pessoas em todo o mundo sofrem pela incapacidade de digerir este tipo de alimento, ou ainda de qualquer tipo de alimento que seja derivado do trigo, do centeio ou da cevada, em especial pela presença de uma certa proteína altamente alergênica denominada Gluten.
A sensibilidade ao gluten é variável de acordo com cada indivíduo, e existe num amplo espectro de possibilidades e sintomas. De um lado temos os indivíduos celíacos, que são incapazes de processar sequer infinitésimas partículas de gluten que ficaram como resíduo em um utensílio que foi usado para preparar um prato com gluten. Do outro lado, temos os indivíduos que não tem qualquer tipo de problema com o gluten. E entre um e outro extremo, uma enorme quantia de indivíduos sofrendo mais ou menos com sintomas diversos de intolerância a esta substância.
O diagnóstico da intolerância ao gluten não é muito óbvio, e é relativamente comum que uma pessoa passe a vida inteira sofrendo com sintomas desagradáveis diversos sem relacionar os mesmos ao consumo dos derivados cereais que contem o gluten.
A lista de sintomas conhecidos e associados à intolerância ao gluten é grande. Vejamos alguns dos mais significativos:
- Crônica perda ou ganho de peso
- Deficiências nutricionais resultantes de má absorção (ex: deficiência de ferro)
- Problemas gastro-intestinais (inchaço abdominal, dor, gases, constipação, diarréia)
- Gordura nas fezes (devido à má digestão)
- Dores nas articulações
- Depressão
- Eczema e dermatites diversas (descamação nas mãos e dedos, por exemplo)
- Enxaqueca
- Exaustão
- Irritabilidade e mudanças comportamentais
- Infertilidade, irregularidade do ciclo menstrual, aborto espontâneo
- Câibras, coceiras e perda de sensibilidade na pele
- Crescimento reduzido (em bebês e crianças)
- Declínio na saúde dental
Como se vê, a lista é muito extensa e vai da psoríase à osteoporose, da infertilidade à obesidade. Assim sendo, fique atento: pode ser que o seu pãozinho de cada dia esteja realmente subtraindo muito de sua qualidade de vida.

A recomendação é que cada indivíduo busque o quanto antes saber se o seu corpo tolera bem ou não esta substância com o intuito de evitar sofrimento desnecessário.
Existem hoje diversos testes que auxiliam no diagnóstico desta inadequação digestiva, tais como a biópsia do intestino. Entretanto, a chance estimada de um médico tradicional relacionar um problema de saúde qualquer com intolerância ao gluten é de apenas 2% (!!). A absoluta maioria dos indivíduos realizou o simples teste do auto-diagnóstico, que trata de eliminar o gluten por um período de duas a seis semanas e observar se os sintomas recorrentes desaparecem por si.

1 – Gluten (em especial na forma de trigo, mas também na forma de centeio, cevada e, em casos extremos, aveia)
2 – Laticínios de vaca (especialmente os comerciais pasteurizados)
3 – Soja, especialmente os produtos que não foram pré-digeridos pela fermentação, como o misso, o tempeh, o nattô e o shoyu, estes de fácil digestão. Eliminar carne de soja, leite de soja e todo produto que seja acrescido de extrato ou farinha de soja, além de tofu e o próprio grão cozido.
4 – Ovos, especialmente os ovos de granja, provenientes de galinhas criadas com ração, antibióticos e hormônios.
Realizando em si mesmo esta importante experiência é possível identificar com mais clareza o quanto determinado alimento está afetando sua qualidade de vida… ou não.
No caso do gluten, o alimento que possui a maior concentração deste é de fato o trigo moderno. Sim, o onipresente trigo é o mais problemático de todos os cereais. Bem diferente das variedades ancestrais, como o Einkorn (o grão bíblico), o Kamut ou o Espelta, o altamente hibridizado trigo utilizado em 99% das preparações (como pães, biscoitos, massas e etc.) possui 3 elementos inadequados para a saúde humana, os quais conheceremos a seguir.
Dissecando o trigo moderno


O trigo tão popular da era moderna, também conhecido por trigo-anão, é um produto de manipulação genética e hibridização, resultado de gerações e gerações de cruzamentos e seleção de sementes em busca do máximo teor de amido e gluten, os quais são os elementos essenciais da estética e textura normalmente almejados nos derivados. É um tipo de trigo resistente e de alta produtividade na colheita.
O homem que desenvolveu esta variedade em meados do século XX, o cientista norte americano Norman Borlaug, foi laureado com o Prêmio Nobel e prometeu alimentar milhões de famintos ao redor do globo. E de fato o fez, assim como nutriu em milhões a obesidade e a doença. A doença celíaca é hoje 4 vezes mais comum do que há cinquenta anos atrás, e a principal razão é a mudança de qualidade do trigo, que ocorreu justamente neste período.
A primeira diferença principal deste trigo-anão é o elevado teor de um tipo de amido concentrado chamado amilopectina A. É graças a ele que obtemos pães tão fofos. Mas é um amido tão glicêmico que bastam duas fatias de pão integral para elevar o teor de açúcar no sangue em maior medida do que o fariam duas colheres das de sopa cheias de açúcar refinado.
Perceba que não há uma diferença significativa entre a farinha de trigo integral ou refinada (a famosa farinha branca) no quesito glicemia. Em pessoas com diabetes, tanto o pão branco quanto o integral elevam a glicemia sanguínea em 70 a 120 mg/dl sobre os níveis iniciais. É notório que alimentos com alto índice glicêmico resultam em estocagem de gordura na barriga ou nos quadris, na ativação de mecanismos inflamatórios no organismo e na criação da esteatose hepática, ou degeneração gordurosa do fígado. Excesso de açúcar no sangue é o principal fator que resulta em diabetes tipo 2 e em obesidade.
Comparação de índice glicêmico
(teor de elevação de glicose sanguínea após a ingestão do alimento)
Outro fator que merece atenção em relação ao trigo-anão é a presença em sua composição de uma espécie de “super gluten”, uma variedade mais eficaz em causar inflamações em tecidos que tenham pré-disposição do que o gluten presente nos cereais não-híbridos. Em comparação com o Einkorn, o trigo moderno possui pelo menos o dobro de quantidade e variedade de moléculas de gluten.
A doença celíaca ocorre em indivíduos que tem uma predisposição genética conhecida como HLA DQ2 or DQ8, a qual ocorre em cerca de 30% da população, sendo que 99% das pessoas que sofrem com intolerância severa ao gluten e ao trigo não são diagnosticadas como tal. Estamos falando de um problema que afeta muita gente que passa a vida sofrendo com sintomas que não são atribuídos à real causa. É, sem dúvida, algo a se considerar.

A inflamação sistêmica é o início de muitas e variadas doenças, tais como doenças do coracão, demência, autismo, câncer e muitas outras. É realmente de se espantar que a medicina convencional tenha tanta resistência em realizar a associação entre alimentação e saúde.

Quando processado pela digestão, as proteínas do trigo são convertidas em “polipeptídeos” chamados “exorfinas”. Estes são como a endorfina produzida após uma atividade física, e se ligam aos receptores de opióides existentes no cérebro, dando um “barato”. O nome deste tipo de substância do trigo é “gluteomorfina” – ou seja, um tipo de morfina.
Este tipo de substância está intimamente relacionado a causa de problemas tais como esquizofrenia e autismo, mas também a vícios comportamentais como apetite desenfreado e distúrbios alimentares diversos. Ninguém tem acessos descontrolados de vontade de comer brócolis, mas é muito comum um surto de desejo de comer cookies ou bolo. Resumindo, o trigo é também um viciante estimulante de apetite.
Substituindo o Gluten no Dia a Dia

Poucos são os que não salivam ao sentir o cheiro de um pão quentinho na padaria, ou ao pensar em sua pizza favorita…
O trigo em si, como demonstrado anteriormente, é um alimento que vicia. Para quem é habituado a se alimentar dele, deixar de comer trigo exige uma determinação que se assemelha ao deixar de fumar cigarros. Já que não é uma tarefa das mais fáceis, é importante simplificar este esforço conhecendo e disponibilizando opções para o dia a dia.
Segue uma lista de substitutos viáveis para algumas das opções mais comuns de ingestão de trigo.




- Pizza: Ainda não me deparei com uma massa de pizza sem gluten pronta para comprar que transmitisse a mesma experiência agradável da pizza convencional e que não tivesse ingredientes indesejáveis. Sendo assim, incluí abaixo uma receita de massa de pizza fácil de preparar e de resultado muito interessante, com as bordas crocantes e douradas e flexível na parte central. Não muito fina, nem muito grossa, te dá a possibilidade de segurar nas mãos uma fatia e morder.
MASSA DE PIZZA SEM GLUTEN

Ingredientes (rende 2 pizzas – multiplique as quantidades e congele se desejar):
– 2 xícaras de polvilho doce ou azedo, ou misturados em partes iguais.
- 1 xícara de farinha de arroz.
- 1/2 xícara de farinha de arroz integral.
- 1/2 xícara de farinha de painço (você pode comprar o painço descascado e moer).
– 2 colheres das de chá de bicarbonato de sódio.
- 2 colheres de chá de goma xantana, ou CMC em pó (encontra-se em casas especializadas de produtos naturais ou empórios).
- 1 colher de chá de sal marinho
- 1 e 1/2 xícara de caldo de cana amornado
- 1 sachê de fermento biológico
- 1/4 de xícara de um bom azeite de oliva
- 1/4 de colher de chá de vinagre de maçã suave
- 1/4 de xícara de clara de ovo da roça (orgânico) batida OU alguma das duas opções de substituição de ovos em receitas (abaixo):
Substituto de semente de linhaça para um ovo
- Moer as sementes no liquidificador e guardá-las no freezer.
- No preparo usar uma (1) colher de sopa de sementes de linhaça dourada moídas + Três (3) colheres de sopa de água.
- Misturar, deixar em uma tigela pequena descansando por 1 a 2 minutos. (Torna-se muito espessa se ficar mais tempo).
Substituto da clara de ovo em receitas
- Dissolver Uma (1) xícara de polvilho azedo em uma tigela com água.
- Coloque na panela e mexa, até dar o ponto de clara de ovo.
Modo de Preparo:
1 – Unte duas fôrmas de 30cm com manteiga ou azeite, e polvilhe com polvilho (rs!). Reserve.
2 – Numa larga tigela, misture as farinhas e ingredientes secos. Dissolva o fermento biológico em uma xícara de água morna com uma pitada de açúcar. Misture o fermento aos ingredientes secos.
3 – Adicione os óleos, ovos e vinagre.
4 – Sove a massa até que esteja macia e aderente. A textura da massa não é muito firme, fica mais para massa de bolo do que de massa de pão.
5 – Utilizando uma espátula de silicone, divida a massa ao meio e despeje cada metade nas fôrmas preparadas. Espalhe a massa com mãos limpas e molhadas, criando um disco fino e de espessura bem distribuída, com bordas suavemente levantadas. Você precisará umedecer suas mãos mais de uma vez para fazer isto. Tenha calma, você será recompensado com uma adorável massa de pizza.
6 – Deixe a massa da pizza descansar e crescer em local morno por mais ou menos 15 minutos.
7 – Pré-aqueça o forno a 200 graus, e depois asse por 10 minutos até dourar.
8 – Remova do forno, desligue o forno e ligue o grill (se houver). Pincele a massa com um bom azeite, tomates cereja esmagados, sal marinho e ervas frescas. Utilize, se quiser, um bom queijo de cabra, de amêndoas, ou do que preferir. Gratine por 4 ou 5 minutos e pronto, delicie-se com sua lindíssima pizza sem trigo!
Mais Observações

Isto não significa que não seja benéfico germinar os cereais diversos – uma prática que de fato facilita a digestão, elimina substâncias indesejáveis e amplifica a qualidade do alimento em geral. Mas não é suficiente para eliminar o gluten.
Outra observação importante é que embora tenham sido apresentadas algumas idéias e alternativas para substituir o trigo, mesmo estas alternativas devem ser ingeridas dentro de um equilíbrio, sem excessos.
O ideal é ter consciência de que a meta é ter uma ingestão reduzida de pães, massas e biscoitos de qualquer tipo. Seja de trigo ou de qualquer outra origem, é sempre bom estar atento para ter uma alimentação com ingestão moderada de carboidratos. Lembre-se de que nos milhares de anos que antecederam a descoberta da agricultura o organismo humano lapidou seu metabolismo ingerindo uma alimentação com muito pouco carboidrato – e até hoje é assim que o metabolismo encontra as suas condições ideais para funcionamento.
Os grandes especialistas em nutrição recomendam obter a maior parte das calorias diárias de fontes de gordura saudável, e apenas entre 30% e 20% de calorias idealmente seriam obtidas de carboidratos – variando, naturalmente, do perfil de atividade física individual. Por incrível que pareça, o exato inverso da típica pirâmide nutricional tradicional…. e um excelente tópico para ser detalhado em um outro artigo.

Mesmo assim, sabemos que toda a mudança duradoura acontece de forma gradual. O ideal é iniciar o caminho de evolução de hábitos alimentares substituindo os alimentos por alternativas melhores, como as demonstradas acima, e, aos poucos, educando-se a gostar daquilo que faz bem. E aprender, se ainda não o fez, que é perfeitamente possível ter uma vida cheia de alegria e prazer mesmo sem o trigo… e sem os seus muitos inconvenientes!